Onde comer em Paris: um guia completo
Numa cidade tão obcecada por comida de qualidade, a pergunta mais útil é: "Onde não comer?". Fuja daquele tipo de restaurante -- estrategicamente localizado nas imediações de cartões-postais -- que captura passantes com cartazes em inglês e promessas de "menu touristique" ou "formule touristique". (O problema não são as palavras "menu" ou "formule", que são comuns a todos os restaurantes franceses; o que dispara o alarme é a palavra "touristique"). O resto está valendo -- cuide apenas para casar o seu paladar (e o seu bolso!) com o que é servido.
Mas antes de sair escolhendo seu restaurante, vale a pena entender os hábitos locais -- até para traçar uma estratégia gastronômica.
Café da manhã
O café da manhã (petit déjeuner) normalmente não está incluído na diária dos hotéis. Custa entre 8 e 12 euros. Quando é servido como buffet, vale a pena -- você vai encontrar café, leite, suco de laranja, baguette, croissant, pain au chocolat, manteiga, geléia, iogurte, alguma fruta (banana provavelmente), talvez um cereal ou granola. Pedir todos esses itens separadamente num café sairia mais caro. Mas se você se contenta com um café au lait e um croissant ou tartine (baguette com manteiga), pagará mais barato (tipo 5 euros) fora do hotel. De todo modo, explore a vizinhança; pode haver um café ou restaurante simpático com uma formule petit déjeuner interessante a 9 ou 10 euros.
Almoço em restaurante
O almoço (déjeuner) é servido das 12h às 14h ou 14h30. É o momento do dia com a melhor relação custo x benefício (perdão: como o melhor rapport qualité-prix) para uma refeição sentada.
Todo restaurante ou bistrô vai oferecer uma menu com entrada, prato e sobremesa. Você também pode optar pela formule, que é um modo reduzido do menu: entrada + prato ou prato + sobremesa. Eventualmente uma taça de vinho pode estar incluída.
Cada vez mais restaurantes também oferecem um plat du jour, uma refeição de um prato só, que até há alguns anos seria impensável na França.
Esteja preparado para se aventurar gastronomicamente: os menus e formules mais em conta raramente trarão carnes consideradas de primeira pelo seu açougueiro. Os franceses são onívoros e não desdenham nenhuma parte do boi, do porco ou do cordeiro. (Se fizer questão de um bife com batatas fritas -- steak frites --, consulte o cardápio -- a carte.) É raro um prato vir acompanhado por arroz; o carboidrato mais presente no prato é a batata. Fora do prato, porém, sempre será servida uma cestinha de pão.
Quanto custa almoçar em restaurante ou bistrô? É possível encontrar plats du jour em torno de 10 euros, formules de dois pratos a 12/15 euros e menus de três pratos a menos de 20 euros. Em restaurantes ou bistrôs com pretensões gastronômicas, porém, espere encontrar formules acima de 25 euros e menus a partir de 30 euros. Os restaurantes são obrigados a afixar os cardápios, com preços, na vitrine; o preço e a composição dos menus e formules costumam aparecer num quadro negro. O serviço está sempre incluído; mas se quiser deixar alguns euros para o garçom, ele obviamente vai apreciar.
Para economizar, lembre-se de pedir "une carafe d'eau" (ünn carráf dô): a água da torneira é perfeitamente potável e só os muito esnobes não pedem. Uma taça (un verre, ã vérr) ou uma jarrinha (un pichet, ã pichê) de vinho sairão mais barato que uma Coca-Cola ou uma garrafa de água mineral.
No almoço, reservar é indispensável em restaurantes e bistrôs com alguma fama, mas é desnecessário em restaurantes de bairro ou sem maiores pretensões gastronômicas.
Jantar em restaurante
O jantar (dîner) é servido entre 19h e 22h30; os franceses gostam de marcar suas reservas para as 20h30.
Todo restaurante costuma oferecer dois ou três menus com preços diferentes de acordo com o valor do ingredientes. Os lugares com maior pretensão gastronômica vão oferecer também menus de 4 pratos (entrada, peixe, carne e sobremesa) e talvez um menu-dégustation com vários pratinhos, ou ainda um menu-surprise, com vários pratinhos não-anunciados. Se você não é familiarizado com a cozinha francesa, de novo esteja ciente de que mesmo nos menus de 3 pratos haverá pelo menos uma variedade de proteína da qual sua mãe nunca ouviu falar. Se não quiser se aventurar, examine o cardápio (carte), onde deve haver opções mais convencionais.
Pouquíssimos pratos são acompanhados por arroz; quando há carboidrato, o mais comum é a batata. Mas a cestinha de pão costuma ser renovada durante a refeição. Entre o último prato e a sobremesa podem ser oferecidos queijos (serão cobrados à parte).
Quanto custa jantar em restaurante ou bistrô? Espere encontrar menus de 30 a 60 euros na maioria dos lugares (e daí pra estratosfera nos restaurantes estrelados). Você encontra o preço dos menus nos sites dos restaurantes, no guia Le Fooding e no site de reservas La Fourchette.
O serviço está sempre incluído; mas se quiser deixar alguns euros para o garçom, ele obviamente vai apreciar. Para economizar, lembre-se de pedir "une carafe d'eau" (ünn carráf dô) -- a água da torneira, que em Paris é perfeitamente potável e só os muito esnobes não pedem. Uma taça (un verre, ã vérr) ou uma jarrinha (un pichet, ã pichê) de vinho sairão mais em conta do que refrigerante ou água mineral (restaurantes mais finos, porém, dificilmente venderão pichet, nem terão vinhos muito baratos em taça).
No jantar, reservar é indispensável em restaurantes e bistrôs com alguma fama, e recomendável até mesmo para bistrozinhos de bairro. Reserve com antecedência de alguns dias; em lugares mais badalados, vale a pena reservar algumas semanas antes. O jeito mais fácil de reservar é por email, usando o site do restaurante. O site La Fourchette oferece reservas com confirmação em tempo real, mas sua penetração não é tão grande quanto a do Opentable nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Qual é a diferença entre restaurante e bistrô?
Hoje em dia, só o nível de conforto. Bistrô é um restaurante menor e mais simples, sem os luxos e a estrutura associados aos grandes restaurantes. Desde a década de 90, quando os custos de manter um grande restaurante foram se tornando impraticáveis, muitos chefs de peso passaram a abrir bistrôs. Começava a onda dos bistronomiques: bistrôs gastronômicos. No fim das contas, a classificação bistrô ou restaurante é escolhida pelo dono do lugar.
Alternativas a restaurantes e bistrôs
As brasseries têm cara de restaurante, jeito de restaurante, mas funcionam de um jeito diferente dos restaurantes franceses: não requerem reserva, são barulhentas como bares, servem comida até mais tarde (duas delas, Au Pied de Cochon e La Coupole, permanecem abertas entre almoço e jantar) e não fazem cara feia se você pedir um prato só. Se a brasserie está lotada, você entra na fila e aguarda. Ou seja: as brasseries funcionam exatamente como os restaurantes no Brasil Ao pé da letra, o nome quer dizer "cervejaria", mas o que gostam mais de vender é champagne.
Hoje em dia são lugares bastante turísticos -- mas ainda assim, são tão parisienses que valem a visita (e quebram um senhor galho para aquele dia em que você só vai poder sentar para jantar às 10 e meia da noite). São mais caros do que os cafés. A melhor extravagância é partilhar pratos de frutos de mar, que chegam frescos todos os dias e são mantidos em tanques de gelo.
Os cafés são uma boa saída para refeições sentadas a preço palatável. Duas pedidas superparisienses são a quiche com salada e o croque-monsieur (misto quente gratinado) ou croque-madame (com ovo por cima) com frites. Cafés não fecham entre almoço e jantar. Mas atenção: perto dos cartões-postais, o seu croque-monsieur pode custar mais caro que uma formule num bistrozinho a algumas quadras dali.
Restaurantes "étnicos" são a melhor alternativa para economizar e comer bem (isto é, desde que você curta a cozinha em questão). Vietnamitas, cambojanos e laocianos costumam ser bastante autênticos; muitos tailandeses, porém, pertencem a chineses. Em restaurantes asiáticos em geral não há necessidade de optar por menus, e os pratos podem ser divididos (mas peçam pelo menos um prato por pessoa, porque as porções não são enormes). Belleville e o 13e. arrondissement são bons lugares para encontrar asiáticos; a rue Sainte-Anne, no 2e. arrondissement, concentra os restaurantezinhos japoneses (os que servem pratos quentes são bem mais em conta do que os que servem sushi).
Traîteurs são o que hoje no Brasil chamamos de "delicatessens": vendem comida quente pronta. Muitos têm mesas onde você pode comer no local (sur place) aquilo que acabou de comprar. É um nicho cada vez mais dominado por chineses. Nesses traîteurs baratinhos, a qualidade costuma ser inferior à de restaurantezinhos de verdade -- mas dá para fazer refeição propriamente dita pagando menos que numa lanchonete.
Fast food também tem -- desde as redes americanas até lanchonetes especializadas em kebab, faláfel, pizza por pedaço e comida japonesa.
Comida de rua: quiosques ou portinhas vendendo sanduíches na baguette e pães doces (pain aux raisins, pain au chocolat) são onipresentes (mas difíceis de achar à noite). As portinhas de sandwich grec (kebab, churrasquinho grego) dominam as ruas mais movimentadas do Quartier Latin. Meu fraco são as barracas que fazem crepes, com recheios salgados (queijo, presunto, ovo) ou doce (Nutella, chocolate, coco). Se passar por uma que anuncie "galettes", experimente: são crepes salgadas da Bretanha feitas com trigo sarraceno (escuro e al dente). No inverno, os vendedores de castanhas (marrons) assadas se multiplicam pelas ruas; o perfume é (perdoe o clichê) inebriante.
Piqueniques: num dia bonito passe num supermercado ou, melhor ainda, numa rua de mercado (como a rue Mouffetard ou a rue Montorgueil), compre coisas gostosas e um bom vinho, tome o rumo do Canal St.-Martin ou do Jardim de Luxembourg e junte-se aos colegas pique-niqueurs.
Como escolher seu restaurante
Algumas semanas antes de viajar, dê uma sapeada no Le Fooding, o guia de restaurantes mais antenado da França (eu descobri nos primórdios da internet, mas a opinião que conta é a do grande Luiz Horta, que recomenda sempre). Confira as novidades (from the hot oven na versão inglesa ou tout nouveau tout chaud na versão francesa); faça também uma visita virtual aos restaurantes perto de onde você vai ficar (pesquise por rua ou estação de metrô).
O Conexão Paris tem a coleção mais extensa de resenhas em português de restaurantes em Paris, já convenientemente separados por arrondissement e por estilo. E minha food writer favorita, a Constance Escobar, traz no seu Pra quem quiser me visitar uma seleção de endereços imperdíveis, descritos com rigor, delicadeza e charme (sim, ela consegue juntar os três no mesmo texto).
Pesquisou? Então faça as reservas para as refeições-chave. Mas deixe espaço na sua agenda para descobertas. Você vai passar por lugarezinhos onde vai ter vontade de voltar para almoçar o jantar. Veja se está no Le Fooding, e o que dizem dele no Yelp (melhor do que TripAdvisor para restaurantes). Algumas das melhores lembranças de viagem são os lugares que a gente descobre por acaso -- ou que esteja ligado a um episódio ocorrido durante a viagem (e não durante o planejamento da viagem).
Se der chabu e você ficar sem lugar para jantar, já sabe: é só enfrentar a fila da brasserie ou do vietnamita.